quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A barraca das bicicletas


Assim que soube que nos iamos mudar para Sheffield comecei a procurar formas de manter o hábito de me deslocar para o trabalho de bicicleta. Em Bruxelas ganhei-o e reconheço que é das formas mais baratas e fáceis de uma pessoa se deslocar numa cidade. Especialmente uma cidade relativamente pequena e sem metro, como Sheffield.  
 
Bruxelas tem a rede maravilhosa e incrivelmente extensa de bicicletas de aluguer, o Villo!, que torna a combinação de transportes muito fácil e útil. Às vezes ia de bicicleta e vinha a pé, ou ia de metro e vinha de bicicleta, ou ia a pé uma parte do caminho e de bicicleta o resto, conforme me desse na real gana e consoante o que a meteorologia ditasse. Alugar as bicicletas nas estações espalhadas pelas ruas da cidade tornava a coisa mesmo cómoda e sem a obrigação do "se levar a bicicleta, depois tenho de a trazer". Preocupações com roubo, zero; com arranjos, idem, uma vez que era só estacionar a bicicleta numa das estações e rodar o assento para trás, de forma a sinalizar às carrinhas de manutenção que aquela bicicleta tinha qualquer coisa de errado. Era mesmo uma situação perfeita.
 
Ora, Sheffield não tem nada disto. Soube logo que se quisesse manter os meus hábitos de ciclista urbana teria que comprar a minha própria bicicleta. A questão principal, claro está, foi: que tipo de bicicleta? Gostei especialmente que o website da universidade tivesse uma secção com conselhos aos ciclistas, e mais concretamente que dissesse que em Sheffield todas as bicicletas têm que ter mudanças. Que essas pessoas que vêm das flatlands não pensassem que aqui uma bicicleta urbana de mudança única servia. Ri-me muito porque pensei logo em Londres e na incrível planez de que estive consciente o caminho todo na minha experiência londrina de ciclismo urbano. Caramba, que ali nunca se toca mesmo no manípulo das mudanças! Basicamente o website quase nos advertia que deveríamos escolher uma bicicleta de montanha.
 
Mas a minha dúvida sempre esteve fundamentalmente entre comprar uma desdobrável ou uma normal. Desde que comecei a pedalar na cidade que sonho com uma desdobrável. A desdobrável promete portabilidade, comodidade, combinação de transportes, mais uma vez. Podia levá-la no comboio quando fosse a Londres, podia levá-la no avião quando fosse a Portugal, podia levá-la no autocarro se não me apetecesse fazer o caminho universidade-casa a pedalar. É só desengatar um manípulo e lá está ela dobrada ao meio.
 
Claro que o problema de uma desdobrável é a fragilidade da coisa. Uma coisa que se desengata e volta a engatar muitas vezes tem que ser mesmo boa ou corre o risco de se desengatar quando menos queremos. Nomeadamente quando estamos a pedalar, no meio da estrada. Neste sentido, uma bicicleta normal é mais robusta e dá uma sensação de maior segurança. Estava ciente de que as desdobráveis mesmo boas começam nos mil euros para cima. Estava também ciente de que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta. Muito menos com orçamento de estudante. Mais: estava ciente de que uma bicicleta boa normal também vai parar acima dos 500 euros, pelo menos. E que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta, ainda por cima que não me oferecesse portabilidade. Portanto a decisão foi tomada rapidamente, para dizer a verdade.  
 
Ganhou a desdobrável. Não a de mil euros, bem entendido, mas uma das mais em conta e depois de uma extensa pesquisa e avaliação de prós e contras e do quanto estava eu disposta a pagar a mais por específicos prós. O marketplace da Amazon acabou por ser o escolhido para encomendar a nova riquinha.
 
Chegou ela numa caixa enorme, dobrada a meio e com pneus vazios. A salvação foi uma coisa maravilhosa de que cedo descobri a existência: o Cycle Hut.


Esta espécie de contentor onde se arranjam bicicletas é um serviço gratuito da Universidade de Sheffield aos seus alunos e empregados para incentivar o uso da bicicleta na cidade. Basicamente os mecânicos diligentes fazem reparações e check-ups de segurança às bicicletas dos alunos, de forma gratuita, às terças e quintas-feiras. A iniciativa e os próprios mecânicos especializados são financiados pela política de transportes da universidade. Ou seja, basicamente funciona assim: o dinheiro que a universidade ganha com as tarifas dos seus parques de estacionamento vai para aqui. 
 
Há lá como não amar isto?


Entretanto já levei a Queeny Papa-Léguas ao senhor doutor, e em boa altura o fiz, já que o manípulo que prende o guiador na posição vertical está a modos que precário. Não me apetece muito estar a pedalar e de repente ficar sem guiador, de maneira que ainda não a estreei. Mas nunca a comodidade de dobrar a bicicleta a meio e a enfiar no autocarro será mais apreciada do que quando a levei ao Cycle Hut.
 
Entretanto, e enquanto a peça nova não chega, tenho andado, num processo lento e estupidamente contra-intuitivo, a mentalizar-me de que aqui se conduz do outro lado da estrada. A palavra-chave aqui é ESQUERDA: lado esquerdo da estrada, encostada sempre o mais à esquerda possível, nas viragens de direção, voltar a encostar à esquerda. Ainda tenho a sensação inconsciente - demasiadas vezes - de que este carro vai em contra-mão, ou de que devo esperar os carros daquele lado da estrada e ficar surpreendida quando um passa rente a mim quando caminho no passeio esquerdo da estrada. Sinto-me canhota ao quadrado.




S.



3 comentários:

  1. Fantástico, adorava uma experiência num sítio assim "civilizado" ^_^ Pois, aqui em Lisboa também costumo dizer que uma bicicleta de montanha é boa ideia, desde com uma bagageira atrás e guarda lamas para a chuva. Eu hoje não teria comprado a dobrável e de facto é como dizes, para cima de 1000 euros uma boa, a minha foi uns 1800. Mas não há dia que não olhe para ela e fique pasmado e apaixonado com aquela máquina, a birdy. É como o meu porsche (carro meu propriamente dito é um golf de 2001 que comprei em 2ª mão...) Na altura pensei mesmo que precisava de transportes públicos combinado com bicicleta. Hoje faria tudo 100% bicicleta e teria comprado uma boa de touring. Admito que dá jeito por ser muito mais manobrável nas escadas do prédio (2º andar sem elevador), poder dobrar no metro num dia em que estou todo partido e não quero 5km a subir, metê-la na mala do carro para ir de viagem etc.

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  2. E suponho que seja uma dahon não? Tem bons modelos. Bromptom é sensacional mas em lisboa é para esquecer, só mesmo para plano, apesar de ver algum pessoal em lisboa com elas (poucos, poucos). A decathlon rebentou com tudo com uns modelos muito baratos e que não são maus e agora aqui vês muitas dobráveis. Quando comprei a minha há 4 anos praí, não havia nenhuma e era tipo um ovni!

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  3. A Bromptom é a estrelinha dos meus olhos, especialmente por ser das dobráveis mais leves. E realmente a leveza era o fator que mais me interessava, ainda que seja impossível em bicicletas dobráveis para baixo dos 250 euros (há Bromptoms a 11-12 kg, a minha está nos 14-15). A prioridade mesmo prioridade passou a ser uma dobrável que tivesse mudanças. Não é uma Dahon não, embora me tenha demorado bastante a pesquisar essa marca. Mesmo assim está acima do que eu estava disposta a pagar neste momento... É uma Kingston, acabei por ir pelas reviews dos utilizadores. Tem duas coisas que me encanitam um bocado que é a falta de suspensão e a estrutura de ferro em vez de alumínio (again, quase impossível de encontrar abaixo dos 250) mas a minha lógica é a seguinte: andei dois anos nas tais bicicletas de aluguer bruxelenses que pesavam chumbo (toda a gente se queixava. Só quando passei às bicicletas normais para a viagem pela costa é que me apercebi do que andava a carregar nas pernas em Bruxelas. As normais com a carga deviam ficar ao mesmo nível das bruxelenses sem carga.). Ou seja, estou treinada para bicicletas difíceis. Só com o uso é que vou descobrir se mesmo assim fiz uma boa escolha ou não.

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