segunda-feira, 27 de maio de 2013

Há sempre o outro lado da moeda

Nunca pensei vir a dizer isto mas, tenho poucos transportes na minha vida. A sério. Isto de ter o trabalho perto de casa é muito bonito mas uma pessoa fica sem tempo para pensar na vida. E só percebi isto quando viajei da última vez. Levava o livro do momento do estudo, como uma menina bonita, mas não lhe li nem uma linha, apesar de ter gastado várias horas em avião e em comboio. Mas não as posso gastar a ler! Foi o que eu percebi. São-me mais úteis para pensar na vida.

E o que eu gosto de pensar na vida!... Não há nada melhor do que longos commutings para pensar na vida. Tenho minhas maiores epifanias e tomo as melhores decisões de mudança de vida em viagens longas (e quando estou mesmo a adormecer, também). Só que ultimamente é só bicicleta e caminhar, bicicleta e caminhar. Às vezes lá pego o metro ou o tram mas é sempre por menos de 10 minutos, nunca dá tempo de refletir. Na bicicleta vai-se concentrada no esforço, na adrenalina, nos carros (convém), no caminho. A andar também tem que se ir com alguma atenção - se bem que já dá para pensar um bocadinho na vida. Mas dou por mim e já cheguei a casa. No meio de coisitas que se inventa sempre para fazer, internet, livros, etc acaba-se o attention span para pensar na vida.

Isto para dizer que nunca, nunca, nunca o ser humano consegue achar uma situação perfeita e sentir-se plenamente satisfeito. Mete um bocado de raiva.







S.

domingo, 26 de maio de 2013

Paralelismos com o mercado de trabalho não são coincidência

Há umas semanas atrás, rumei ao Parlamento Europeu para assistir a uma conferência onde se discutia as vantagens de ter atenção ao género nas políticas de combate ao desemprego jovem. Foi bastante elucidativa porque deu para ver que as razões pelas quais jovens mulheres estão no desemprego e, nalguns casos, deixaram de procurar emprego, são diferentes das razões pelas quais jovens homens estão na mesma situação. Basicamente, deu para concluir que a maternidade e as expectativas de que a mãe será a principal cuidadora dos filhos tem um peso muito grande quer na empregabilidade das jovens mulheres quer nas próprias expectativas destas em relação ao mercado de trabalho, especialmente numa época de profunda crise económica como a que vivemos. A publicação do Parlamento Europeu sobre este tema, que foi basicamente o que os seus investigadores foram apresentar lá à conferência, pode ser consultada aqui: "As Vantagens de uma Estratégia de Género no Combate ao Desemprego Jovem".

Uma das apresentações foi particularmente lúcida e interessante e destacou-se das outras por me ter dado tanto que pensar que achei boa ideia partilhá-la aqui.

O título é "As diferenças de género na vontade de competir" e basicamente foi um estudo que um professor de uma universidade austríaca fez para avaliar a competitividade de rapazes e raparigas em diversas fases da vida. 

Fez 3 experiências com crianças dos 3 aos 18 anos que consistiam em diferentes provas. A 1ª experiência foi feita com crianças dos 3 aos 8 anos na qual tinham que correr 30 metros. Em baixo estão os resultados da performance de rapazes e raparigas por grupos de idades:


Bottomline aqui é que não há diferenças entre sexos na performance da corrida. Ao que parece, as diferenças só surgem a partir da puberdade, em que os homens tornam-se, regra geral, mais rápidos e resistentes do que as mulheres. Entre crianças, é tudo igual.

Na experiência foi depois introduzido um elemento que pretendia medir o nível de competitividade. Foi perguntado a cada criança se queria correr sozinha ou se queria correr em competição com outro/a colega. No caso de escolher a corrida com o/a colega, e se ganhasse, receberia o dobro da recompensa (acho que eram bombons ou assim). O gráfico a seguir mostra o número de rapazes que preferiu a competição e o número de raparigas:


Vemos aqui uma clara diferença da frequência com que os rapazes escolheram a competição em relação às raparigas. Lembremos que a performance é a mesma, portanto a probabilidade de uma rapariga ganhar seria a mesma que um rapaz. No entanto, não é isso que elas pensam.

"Ah, mas é normal que pensem que não são tão boas a correr quanto os rapazes porque corrida e desporto é normalmente uma área onde se considera que os rapazes são melhores." Para tomar em consideração esta espécie de parcialidade que poderia enviesar as conclusões, decidiram fazer outra experiência, desta vez numa área na qual não existe especial parcialidade ou, a haver, poderia pender para o lado das raparigas: arrumar blocos de diferentes formas. Num balde com várias peças de diferentes formatos, as crianças tinham que ir buscar todos os cilindros. Tinham um minuto para meter o máximo de cilindros que conseguissem num copo de plástico. Aqui, as raparigas tiveram uma performance um pouco melhor que os rapazes:


O elemento da competição aqui foi o seguinte: as crianças podiam escolher ganhar uma recompensa por cada peça arrumada ou ganhar duas recompensas por cada peça caso arrumassem mais peças que outra criança que lhes seria emparelhada aleatoriamente. Os resultados da competitividade não variam da prova da corrida:


Novamente, mais rapazes escolhem competir do que raparigas; e o que é mais, a diferença acentua-se com a idade! Isto numa prova que, segundo o investigador, é estereotipicamente associada a raparigas, que estas são melhores do que os rapazes a arrumar os blocos. Esta crescente diferença em competir é-me profundamente assustadora, mas já lá vou. Falta a última experiência.

Desta vez, a experiência consistia em somar números. Prova numérica mas muito simples, apenas adicionar. Aqui, como se sabe há o profundo estereótipo que os homens são naturalmente melhores a matemática do que as mulheres, que as mulheres são bem melhores em matéria de letras e comunicação do que números. Acho que é a maior treta que nos vendem desde pequeninos e que a maior parte das pessoas (eu incluída, até há cerca de um ano atrás) acredita que é mesmo uma diferença entre sexos. Que é o cérebro que é diferente e não sei quê. Os resultados da performance na soma dos números:


Duas conclusões, às quais o investigador chamou à atenção na sua apresentação:

- afinal as crianças aprendem alguma coisa na escola, visto que com a idade ficam melhores a adicionar números (haha!);

- não há diferença entre sexos na adição de números. Zero. Às vezes uma das barras está ligeiramente mais elevada que a outra, mas devido à margem de erro, a diferença desaparece. É tão claro que uma pessoa fica parva a olhar (eu fiquei, ainda que já tivesse lido umas coisas que apontavam neste sentido) e acaba por interrogar-se quem foi a alminha que inventou o mito que as mulheres são de letras e os homens de números. Bom, mas quando se vai para a questão da competição, o padrão continua:


Mais rapazes preferem competir com outro/a colega do que raparigas. E o pior: a diferença aumenta com a idade! (olhem para o grupo dos 17/18 anos, meu deus).

Porquê? Porque é que as raparigas se subtraem à competição muito mais que os rapazes, se têm exatamente as mesmas probabilidades de ganhar? Mais: porque é que se subtraem à competição mesmo quando têm mais probabilidades de ganhar do que os rapazes (na prova dos blocos, ligeira vantagem)? Basicamente, as conclusões do estudo são que as raparigas são mais avessas ao risco que os rapazes, e que os rapazes são mais otimistas em relação à sua performance que as raparigas. Ou seja, as raparigas têm uma perceção de que desempenham pior do que realmente desempenham, enquanto os rapazes têm uma perceção que desempenham melhor do que realmente desempenham. Umas são underconfidents, outros são overconfidents. E, como vimos, os estereótipos só pioram a underconfidence e a overconfidence de umas e outros.

Uma vez que as diferenças entre a vontade de rapazes e raparigas de competir nestas tarefas aumentam com a idade, suspeita-se que a educação e os papéis de género tenham também grande dose de influência nesta vontade de competir.  E faz sentido; das raparigas espera-se que sejam diligentes e aplicadas na escola (e na vida), dos rapazes espera-se que gostem de desporto, que joguem, que compitam, que ganhem (no desporto e na vida). Mas esta vontade de competir não irá ter meras consequências no desporto que se possa praticar ou em competições pontuais que se possa fazer; a vontade de competir é uma característica muito valiosa para se singrar no mundo do trabalho. Para se candidatar a um emprego está-se a entrar em competição com os outros candidatos, para nos tornarmos disponíveis a uma promoção está-se a entrar em competição com outros potenciais candidatos. Nunca tinha percebido a relação entre confiança e competição e mercado de trabalho: só uma pessoa que confia que tem um bom currículo ou que está ao nível do que é pedido em determinado anúncio de emprego se irá candidatar; só uma pessoa com confiança em si irá se propor a uma promoção que envolva qualidades de liderança, gestão, etc. E nisto, ao que parece, os homens ganham-nos aos pontos. É uma questão genética, do tipo os homens são naturalmente mais competitivos? Mas ao que parece é algo que aumenta com a idade. É de educação? De estereótipos de género? Porque de performance, já se viu, não é. 

O investigador disse uma coisa muito interessante, uma espécie de dito: "Um homem vê as especificações de um anúncio de emprego e, se tem uma que condiz, candidata-se; a mulher vê as especificações de um anúncio de emprego e, se tem uma que não condiz, não se candidata." A questão da overconfidence e underconfidence que pelo vistos caracteriza os géneros e que eu vou desconfiando que é mesmo assim.

Este post já vai longo mas há ainda uma coisa que eu queria escrever aqui porque basicamente essa era a finalidade do estudo: a questão das quotas. Não a vou discutir neste post porque dá mesmo muito pano para mangas mas vou só lançar umas ideias.

O que este estudo, na sua segunda parte, pretendia perceber era o efeito que a intervenção de políticas de quotas ou discriminação positiva tem na vontade das mulheres de competir. Já se viu que são no geral pessimistas em relação ao seu próprio desempenho e que se retraem na hora de competir por um lugar. Ou seja, está-se a perder potenciais trabalhadoras competentes em determinadas áreas (engenharias, informática, tecnologias, etc), trabalhadoras já formadas, mas que simplesmente não acreditam que têm hipótese. E portanto nem chegam a candidatar-se a determinadas posições.

No estudo, fizeram mais uma data de experiências, no mesmo molde das outras e com o esquema de sozinho/competição. Desta vez estavam num grupo de seis colegas, 3 homens e 3 mulheres. A tarefa era adicionar números em 3 minutos e podiam escolher: ganhar 50 cêntimos por cada par adicionado corretamente, ou 1,50 euros se fossem um dos dois melhores no grupo a adicionar números. O que os investigadores fizeram foi variar depois o tipo de recompensa para as mulheres que quisessem competir, e no sentido de ver se com ganhos assegurados, as mulheres estavam mais dispostas a competir. No fundo, é simular o efeito que as quotas teriam numa situação real.


Portanto, o CTR é o grupo no qual não era dada qualquer vantagem às mulheres. O que se vê é aquela diferença abismal na predisposição para competir.

No QUO, a regra era que entre os dois vencedores, pelo menos um tinha que ser mulher, o que significa que a mulher com o melhor desempenho venceria decerto. Isto é o equivalente às quotas frequentemente introduzidas nos partidos ou a que a Viviane Reding queria introduzir nos quadros das empresas europeias. Aqui vê-se um claro aumento do interesse das mulheres em entrar em competição, ainda que não supere o dos homens. 

No PT1, era dado às mulheres um ponto extra, que servia como desempate caso elas tivessem um desempenho tão bom quanto os homens. O interesse pela competição aumentou entre as mulheres. 

No PT2, eram dados às mulheres dois pontos extra, o que significa que uma mulher menos qualificada poderia ganhar em relação a um homem com um desempenho melhor. Este é o único em que as mulheres preferem muito mais competir que os homens.

Finalmente, no REP, haveria repetição da competição caso nenhuma mulher ficasse entre os dois vencedores. Na repetição, as regras normais seriam aplicadas. Não convence muito as mulheres a competir, neste caso.

Ou seja, as únicas experiências que nivelam o campo em termos de predisposição para competir são o QUO e o PT1. O único injusto - na minha opinião - é o PT2. É importante frisar mais uma vez que o desempenho das mulheres e dos homens é igual, ou seja, não existe aqui o perigo de estar a favorecer candidatas menos qualificadas do que os candidatos (exceto no PT2). Mesmo com as vantagens favoráveis, quem acaba por ganhar será sempre a mulher mais qualificada. O que as intervenções fazem é aumentar o número de candidatas disponível porque há mais mulheres - igualmente qualificadas que os homens - predispostas a ir à luta. 

Paralelismos com o mercado de trabalho não são coincidência, são intenção. 

Agora o que eu gostava mesmo de descobrir era quanto da pouca vontade de competir é uma questão genética e quanto é socialização do que é "ser mulher".



S.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Rainha do Nunca Mais

Esta música não me sai da cabeça.


Não sabia que músicas de minuto e meio podiam ser tão boas.



S.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Disney rant #3097235

Queria só acrescentar uma achazinha à fogueira dos defeitos da Disney.

Quando estávamos em Londres surgiu a ideia de irmos à loja da Disney comprar um presente para um bebé que tinha acabado de nascer. Não foi preciso a ideia ser formulada em voz alta duas vezes que eu fui logo lá, ansiosa por ir espiolhar as maravilhas que eles têm para bebé e por ter um pretexto para ir a uma loja Disney que é sempre uma experiência de, er... overdose sensorial. Eu sei, eu sei, num post critico o excesso de brilhantes e noutro admito o meu fascínio pela loja abrilhantada. Sou uma criatura contraditória, que querem. 

Dizia eu que fui logo a correr, direitinha à dita loja. Fui logo a correr, mas porque Londres é grande, ainda tive tempo de me preparar mentalmente para as multidões selváticas da Oxford St. Não correu muito mal.

A secção dos bebés tem coisas fascinantes. Eu, que tenho inúmeras crises existenciais sobre a maternidade (por antecipação, ainda que uma antecipação indefinida), e que nunca tive a oportunidade de lidar de perto com coisas de bebé, fascina-me o mundo consumista direcionado para estes minúsculos seres humanos. A prenda era para uma bebé menina por isso ia muito self-conscious do que iria escolher. Não queria dar mais um contributo para o potencial afogamento da criança em cor-de-rosas, brilhantismos, folhinhos, e piroseiras do género. Mas então se calhar, diz-me a voz da razão retrospetiva, não me devia ter ido enfiar numa loja Disney, né?

As roupas para bebézinhos ali são espetaculares. Têm os bonecos dos filmes e são de boa qualidade. São também, como suspeito que é normal, bastante segregadas: há o que é especificamente para menina e o que é especificamente para menino. Mas também há coisas neutras (Deus seja louvado). Depois de muito minuto a andar para trás e para a frente, pesando os prós e contras de tanta característica, tinha-me decidido por um body muito bonito cor-de-rosa que se salvava porque tinha a Nala, que é provavelmente a minha "princesa" Disney favorita. Gosto muito da Nala. Era tão ou mais aventureira que o Simba quando eram miúdos, divertida e corajosa, e deu-lhe na cabeça quando ele se armou em parvo e não queria ser rei, e lutou ao lado dele contra o Scar e as hienas.  






Pronto, tinha aquelas manias do banho como deve ser e depois casou e apagou-se completamente mas das princesas da minha infância ainda era a melhorzita. 

Isto para dizer que até estava disposta a fechar os olhos ao cliché cor-de-rosa porque tinha lá a Nala. Até que vi o que vinha escrito em conjugação: "Love Me, Love Me". Oh, que bonito. Súplicas a futuros e hipotéticos príncipes encantados num body de uma recém-nascida. Espetacular. E ainda há quem duvide da força dos estereótipos de género na educação das pessoas. O bombardeamento começa assim que chegam ao mundo, há cá espaço para inovar.

Arrumei o cabide muito direitinho na prateleira, engoli a bílis que entretanto me tinha subido à boca, e optei por uma coisa muito branquinha, muito linda, e com o coelho Tambor, do Bambi.

Vai ser bonito quando forem meus.

Isto pode parecer uma coisa insignificante mas é com pequenos passos que se muda qualquer coisa neste mundo. E ainda que a bebé não seja minha e eu não tenha absolutamente nada que ver com o que ela vestirá/brincará/usará/verá, não quero estar a contribuir para algo que vai contra o que eu defendo. Diz-se que "you should not mix your politics with the raising of your children" mas será que isto é mesmo assim? Se achamos que as nossas políticas não são boas para aplicar na educação dos filhos então valem elas de quê?

Já sei, vou engolir isto tudo quando/se for mãe. Eu depois prometo que digo qualquer coisa.



S.


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Disney cobardolas

A Mérida entrou para o Clube das Princesas da Disney. Só esta frase dá logo medo, eu sei. E há razões para ter.

A protagonista do Brave, essa princesa que havia sido tão elogiada por romper tão necessária e brilhantemente com o estereótipo da princesa-Disney-de-sorriso-amarelo-e-vida-merdosa-cuja-salvação-realização-e-felicidade-vem-sob-a-forma-de-príncipe encantado, ganhou o estatuto master que as personagens femininas da Disney podem almejar e que traz tanto dinheirinho ao senhor Walt. Só é pena terem lixado a personagem toda nos entretantos.

Ao que parece, a Mérida levou um upgrade quando foi incluída no Clube. Está agora mais velha, mais curvilínea, sorrisinho amarelo (pronto, é uma boneca, mas há expressões e expressões), e vestido bem mais justo, decotado e sparkly.



Espetacular, hã?

Porque é que a Disney decidiu estilizar a heroína mais inovadora e que provavelmente lhe valeu mais elogios dos últimos tempos? Estavam a ir na direção certa: uma rapariga normal, com personalidade própria, aventureira, curiosa, amorosa, que bate o pé quando é preciso, corajosa, divertida, ativa. Uma rapariga de um conto de fadas com a qual milhões de meninas se podiam identificar. Mas mais importante: uma personagem feminina que rompia com o ideal de beleza sexualizado e banal que nos entra pelos olhos adentro todos os dias. Algo diferente.

Vergonha para cima de vocês, Disney. VERGONHA.

Eu acho que isto foi uma reação de incapacidade de pensar fora da caixa. Eles têm um padrão de princesas e acharam - muito erradamente - que a figura "Mérida" só poderia ser comercializada se encaixasse esse padrão redutor de princesa aka beleza feminina normalizado. Dizem eles que as crianças preferem coisas que brilhem, para justificar a mudança do vestido. Meter um bocadinho mais brilhante não é sinónimo de arredondar formas e aumentar decotes (ela é suposto ser uma criança, porra!). E de qualquer forma, seguindo esta lógica do "brilhante vende mais" gostava de saber então porque é que os super-heróis não brilham. Ou os Action Men. Ou os Legos. A não ser que a explicação seja "as meninas nascem com um gene qualquer que as atrai para coisas que brilham" ao invés de "os brinquedos da secção MENINA, têm uma grande quantidade de brilhantes o que as faz associar brilhantes com brinquedos para menina desde que nascem". É tipo uma espécie de pescadinha de rabo na boca (o que é que surgiu primeiro: o marketing dos brilhantes ou o gosto pelos brilhantes?) que ninguém tem coragem de quebrar. A Disney decerto não teve, mesmo quando a oportunidade certa se lhe apresentou. A decisão de fazer upgrade da Mérida para o molde sexy do costume foi portanto, além de desapontante, extremamente cobarde.

Há por aí uma onda de indignação com este upgrade vinda especialmente de pais que estavam extremamente contentes com a inovação do filme Brave. A criadora da Mérida juntou a sua voz a esta indignação coletiva e fez saber que:


"I think it's atrocious what they have done to Merida. When little girls say they like it because it's more sparkly, that's all fine and good but, subconsciously, they are soaking in the sexy 'come-hither' look and the skinny aspect of the new version. It's horrible! Merida was created to break that mould, to give young girls a better, stronger role model, a more attainable role model, something of substance, not just a pretty face that waits around for romance."


A Disney já respondeu qualquer coisa muito apaziguadora mas extremamente pouco comprometedora, do género, "sim, levou upgrade mas continua a mesma Mérida no interior." Hipócritas do caraças.

Fica a desilusão que afinal a Disney de inovadora tem muito pouco.



S.   

sábado, 11 de maio de 2013

E respira fundo

Há umas duas ou três semanas, quando pus finalmente mente à obra e a sério para desenhar uma candidatura a doutoramento,  comecei a comiserar o facto de estar numa cidade francófona. Aaai, que não tenho bibliotecas como deve ser, aaai, que os livros que preciso são tão específicos e cá não há, aaai, que é só coisas em francês e eu preciso de uma cidade inglesa, aaai, que Londres fica tão perto mas tão longe, aaai, que a biblioteca da LSE é que era, aaai, coitada de mim. Escapou-se-me o facto de estar a viver no centro sobre all-things-UE, como também me escapou o facto de que aqui também há universidades, universidades que ainda por cima têm institutos europeus, e que universidades têm bibliotecas, e que sim, vivo numa cidade francófona mas literatura académica é universal e portanto anglófona. E só depois de pesquisar incessantemente como poderia reaver a minha membership das bibliotecas londrinas, é que me lembrei que se calhar devia era pesquisar como conseguir ficar membro da biblioteca da Université Libre de Bruxelles, por razões estupidamente óbvias. 

Solução tão simples para os meus problemas.

Ia cética, tenho que admitir, quando cheguei ao campus da ULB para me inscrever na biblioteca de ciências sociais e humanas. Assim que vi todo o edifício devotado à mesma (após cerca de meia-hora às voltas pelo campus, um mapa copiado à pressa para o bloco de notas, e muito desvio, como é sempre inevitável) o ceticismo deu lugar ao entusiasmo. 


Quando, cerca de duas horas depois, saí de lá com um livro emprestado por duas semanas e possibilidade de o renovar através da net, no conforto do lar, quase que vinha a chorar de alegria por ter encontrado tão honrada substituta para a minha biblioteca favorita. Com o bónus de que posso alugar livros (coisa que não podia na outra, daí as intermináveis tardes passadas naquele edifício gigante na Portugal Street) e que fica a 20 minutos de bicicleta de casa - enquanto a outra ficava a 45 de metro.

Hoje lá fui eu estrear o caminho de bicicleta até à univ para ir buscar nova leva de livros. Perto e caminho razoavelmente plano, que mais posso desejar?

Entretanto descobri que mais de metade dos livros que constam na minha to-read list não estão disponíveis naquela biblioteca, o que me frustra um bocado os planos de preparação. Tenho sempre a opção Amazon, mas por serem livros académicos e demasiado específicos raramente os encontro a preços baixos. Será um problema para solucionar mais para a frente. Entretanto descobri que os meus antigos códigos da King's ainda me dão acesso aos academic journals que vou precisar portanto a questão dos livros em falta foi posta de lado. O computador recebeu um beijo repenicado e um abracinho sentido que em boa verdade não são merecidos porque não é ele que dita o acesso aos valiosos artigos. Mas digamos que fiz o inverso do "shooting the messenger".

Isto tudo para deixar aqui registado que voltei à vida académica, ainda que seja só pré-académica por agora, e que toda a minha santa hora livre vai ser agora dedicada à preparação desta nova fase (não de verdade, senão não estava aqui, mas é mais ou menos isso). Só vou no segundo livro e já sinto o meu cérebro a esticar neurónios que não esticava há muito, como quando se vai ao ginásio após o mês de férias de verão. É quase doloroso. Intervalo com muito olhar para a parede desfocadamente, enquanto tento assimilar o que li (muitas vezes sem sucesso), e que equivale aos alongamentos após corrida intensa. 

Eu não consigo estabilizar no mesmo sítio muito tempo, seja ele geográfico, profissional, ou mental. É uma característica que já reconheci que faz mesmo parte de quem sou e tenho vindo a aprender a viver com ela. Temo que um dia me venha a dar problemas - uma pessoa precisa de uma certa estabilidade na vida para chegar a algum lado, seja para progredir na carreira, seja para criar uma rede de amigos e pessoas importantes na nossa vida num lado qualquer. Mas enquanto não me der problemas não há que lamentá-la.

Vou precisar de muita sorte para os próximos meses e de muito conforto emocional. Já re-abasteci o stock doméstico de Nutella, pelo sim pelo não.   




S.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Ele há coisas... #33

Queria só deixar aqui reiterado que eu sei que tenho um problema. Eu sei.


Mas, em minha defesa, eu não fui a Londres por causa disto, nem sequer a King's Cross. Fui lá apanhar o comboio para casa e chegámos com demasiada antecedência. Por acaso fui na direção de King's Cross em vez de St Pancras, e por acaso segui a placa que dizia "Platforms 9, 10, 11", e por acaso encontrei a parede e o carrinho que procurava avidamente. Como tínhamos algum tempo livre e já que estávamos ali, na fila para a foto me deixei ficar.

(Sim, há fila. De meia hora. Que não decresce porque está sempre a chegar mais gente avariada dos miolos.  Até tiveram que pôr aquelas fitas à la fila de aeroporto, e há um senhor vestido de maquinista que vai metendo ordem naquilo. E um fotógrafo profissional. E pode-se escolher o cachecol da equipa com que se quer tirar a foto. A menina atrás de mim perguntou à mãe se o cachecol amarelo era dos Hufflepuff e eu não me contive e larguei um YES seguido de sorriso aberto. Se bem que porque é que ela quereria ser dos Hufflepuff supera-me.)

Tenho a dizer que o senhor meu companheiro tem uma paciência que valha-me deus. Aguentou ali, estoicamente durante meia-hora sem revirar os olhos uma única vez, e ainda serviu de fotógrafo quando chegou a minha vez. Se fosse ao contrário, eu não aguentaria, decerto. Faria um esforço, vá, mas reviraria o olho de vez em quando, cruzaria os braços também, e olharia para o céu uma vez por outra. De maneiras que este é para manter. 

Ah e também fui lá falar à minha escola antiga, com mais uma data de antigos alunos, sobre como é que é isto do mundo do trabalho e tal. Estava à espera que me dissessem a mim. Às vezes dá-me uma vontade louca de rir porque eu não faço ideia do que estou a fazer. E o engraçado é que suspeito, pela primeira vez na vida, que os outros crescidos também não.

Como disse, eu sei que tenho um problema mas não me apetece fazer nada em relação a ele. Nem preciso. Enquanto tiver plataformas com números em frações, castelos para visitar, livros para ler, 20 graus na rua, o D. a meu lado, algum dinheirinho no bolso, um Oyster na carteira e Londres a duas horas de comboio, não preciso mesmo.



S.