segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Prometo não usar mais a palavra "medieval" para descrever uma cidade

Em York, foi a primeira vez que admiti que podíamos ser felizes no UK, mesmo fora de Londres. 





Nunca tinha chegado a esta conclusão por isso sinto que esta descoberta me será útil um dia.




S.


Rendi-me ao passarinho e ao livro das caras

Este blog está agora no Facebook. Há muitos artigos e outras coisas interessantes sobre igualdade de género e afins que encontro pela net e que não chegam a ser transformados em post. Vou passar a partilhá-los lá. Quem quiser espreitar e até sugerir leituras interessantes está convidado a likar.

O Twitter não é exatamente do blog mas a intenção da partilha de artigos/fotos/imagens sobre a igualdade de género é a mesma. A quem interessar, os botões estão aí na coluna da direita.

Boas navegações!



S.

domingo, 29 de setembro de 2013

Desportos radicais em Londres

Foi após muito remoer de prós e contras, em que dois tornozelos me andam a lixar planos de corrida mais uma enorme curiosidade versus uma condução à esquerda endiabrada, que finalmente andei de bicicleta em Londres. Sinto-me uma pessoa diferente e sei que amanhã o meu commuting a pedalar vai parecer uma brincadeirinha de crianças.

Peguei na bicicleta a tremer mas decidida porque queria mesmo muito experimentar bicicletar na amada cidade e porque tinha pouco mais de duas horas para matar as saudades. E eu quando vou a Londres tenho uma espécie de sítios ritualescos por onde tenho que passar e dizer olá, tenha o tempo que tiver. Daí que a bicicleta me pareceu boa ideia.

Coisas que me deviam ter gritado "nããããooo...!" na altura (e até gritaram, eu é que escolhi fazer de surda):

-  conduzir do lado esquerdo da estrada: esta foi a que me gritou "nãããoo" de forma mais audível. Os cruzamentos sabia que eram a parte mais lixada porque é quando se muda de direção e o instinto mais fortemente diz para posicionar do lado normal, ou seja, à direita. Fui o caminho todo a gritar mentalmente "esquerda, esquerda, esquerda, ESQUERDA", especialmente quando era altura de virar numa rua qualquer. Problemas adicionais: às vezes, há estradas com três ou mais faixas no mesmo sentido e, se quero ir em frente, tenho que ir na faixa do meio. Faz engolir mesmo muito em seco uma pessoa estar numa das ruas mais movimentadas de Londres, na faixa do meio e não saber se deve encostar à esquerda ou à direita nessa faixa porque entretanto já se baralhou toda e deve-se ir encostadinha é o mais à direita possível, certo? Ou era à esquerda? Vrrrroooom, e o autocarro que acabou de me rasar a esquerda. Ok, calma. Semáforo vermelho.

- conduzir na hora de ponta: hah, essa também foi boa. Começar a bicicletar numa metrópole a sério (cá Bruxelas, quais quê) às 19h da tarde. Nunca me pesou tanto o capacete que não levava como naqueles 20 minutos que durou a coisa.

- ausência de pistas cicláveis: sinceramente, fiquei desiludida. Pensava que Londres tinha uma muito maior consideração pelos seus ciclistas do que vi. Ruas fundamentais e largas no centro da cidade sem vias designadas para bicicletas, que não precisam de ser vias individualizadas, apenas uma coisa deste género:



Todas as ruas em Bruxelas, mesmo as mais insignificantes, têm símbolos de bicicletas no chão que indicam onde estas devem circular e mesmo que não constituam uma faixa diferenciada, estão lá. No caso de ruas mais estreitas, o símbolo da bicicleta está no centro da estrada, indicando que o ciclista se deve posicionar no meio da faixa e o carro que espere. Foi um choque enorme descobrir que Bruxelas está bem mais à frente que Londres em alguma coisa.

De resto, admirável como aquela cidade é plana de fazer inveja e que nunca precisei sequer de olhar para as mudanças (mas olhei e eram só três. Em Bruxelas as bicicletas de aluguer precisam de sete). Gostei muito do sistema de aluguer Barclays, mais fácil de usar e com bicicletas mais leves do que o aqui do burgo. Pena o movimento tão intenso nas artérias centrais e a ausência de espaços exclusivamente cicláveis. Próxima experiência: Lisboa. 



S.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A boneca e o carrinho são de todos

Esta imagem foi construída após um estudo que visava analisar as palavras escolhidas para o marketing de brinquedos de rapariga e de rapaz. A diferença na linguagem utilizada é abismal (o tamanho da palavra está relacionado com a frequência com que esta aparece nos brinquedos):




Imagem tirada deste artigo do Princess Free Zone, sobre a forma como a linguagem influencia a nossa perceção da realidade e nos molda.

O Princess Free Zone é um projeto que eu gostava muito de ter criado, apesar de ainda não ter filhos. Foi inventado por uma mãe de uma rapariga que desde cedo recusava os vestidos cor-de-rosa folhados e tinha um fascínio por coisas estereotipicamente de rapaz, como ferramentas de construção e afins. O PFZ luta para que as crianças possam fazer e ser o que realmente gostam sem falsas compartimentalizações rapaz/rapariga. É incrível ver o número de mães e pais que publicam na página do Facebook do PFZ fotos de rapazes e raparigas a desafiarem as lógicas distorcidas dos géneros, como rapazes a embalar uma boneca ou raparigas mascaradas de Batman.

Um dos sucessos mais recentes na área, ainda que atribuído a uma outra campanha, a "Let Toys Be Toys" foi o Toys 'R Us declarar que iria acabar com o marketing sexista de brinquedos para rapariga e brinquedos para rapaz.

Viva a verdadeira liberdade de escolha.




S. 

domingo, 22 de setembro de 2013

Fora com as quatro rodas!

Fiquei um bocado triste quando ouvi no telejornal português que hoje, Dia Europeu Sem Carros, em Lisboa havia mais carros do que em anos anteriores. Que a tradição já não é o que era, e várias entrevistas a ciclistas desiludidos por verem que a circulação dos carros se mantinha igual aos outros dias do ano. Eu tinha acabado de vir de uma corrida por uma das artérias mais movimentadas de Bruxelas e fiz o caminho quase todo no meio da estrada, sem necessidade de parar em semáforos (a minha velocidade média agradece) e tinha tido como única preocupação desviar-me de vez em quando de uma bicicleta mais desgovernada. Por isso fiquei triste que em Lisboa não fosse o caso.

Esta foi apenas a segunda vez que o vivi mas já se tornou facilmente no meu dia preferido do ano. Ao contrário do ano passado, que nem estava a contar com ele, nem sabia o que era, desta vez esperava ansiosamente este penúltimo domingo de setembro porque já sabia o que aí vinha: uma cidade completamente transformada a muitos níveis. Um silêncio impensável (só nos apercebemos do barulho constante dos carros quando ele desaparece), um ar bem mais puro (fizeram análises em vários pontos da cidade o ano passado neste dia e foi incrível a diferença dos níveis de poluição no DESC comparativamente ao normal), uma alegria contagiante nas ruas. Em Bruxelas, é proibido carros circularem neste dia dentro da cidade. Apenas carros da polícia, ambulâncias, táxis, autocarros e trams percorrem as estradas. É possível obter uma autorização para andar de carro no DESC, mas a justificação tem que ser mesmo muito boa, e a circulação só pode ser feita para essa coisa em especial. Aqui não estão com voluntarismos nem à espera que sentidos cívicos maiores se levantem: é dia sem carros, é proibido circulá-los e ponto final.

Há-de haver muitos resmungos, não duvido, mas para a vasta maioria das pessoas compensa. E se compensa! Nunca vi tanta bicicleta junta na minha vida nem tanta gente a usufruir das ruas da cidade. A Avenue Louise parecia uma parte da Volta à Bélgica em Bicicleta, tal era a quantidade de ciclistas a dominar a estrada. Centenas e centenas de pessoas a pedalar, a caminhar, a andar de patins-em-linha, de trotinete, de skate. Mas um silêncio anormal numa avenida tão movimentada. A cidade parece um parque gigante. Estivemos meia hora sentados num café mesmo à beira de um semáforo a observar e vi a quantidade de bicicletas mais diversa da vida. A cada semáforo vermelho, era ver umas vinte bicicletas a agrupar à espera da luz verde. E ali ficámos nós a admirar as fornadas constantes de bicicletas a chegar e mais uns quantos transportes estranhos que normalmente só podem ver a luz do dia em parques construídos para o efeito.

Não me lembro de isto no ano passado ter sido assim, apesar de ter estado mais calor do que hoje. Talvez haja cada vez mais gente a aderir a este dia, e, espera-se porque afinal é essa a intenção, a largar de vez o carro no seu commuting diário dentro da cidade. O Dia Europeu Sem Carros aqui em Bruxelas mostra tudo o que uma cidade poderia (poderá?) ser, se se tirar aos motores a primazia que infelizmente ainda detêm. A imagem é maravilhosa, bem real neste dia, ainda que utópica nos outros 364.
      





S.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Olha o homem a ser o padrão, oh

Em Bruxelas está brevemente para acontecer a Maratona/Meia-Maratona/Mini-Maratona. Isto acontece todos os anos mas só neste me dei conta que as provas eram agora no início de outubro. Sendo uma newbie da corrida, mas cujo empenho e vontade me têm surpreendido até a mim própria*, lá decidi que ia participar na minha primeira corrida. Começar numa que sei que consigo acabar para cruzar pela primeira vez uma meta  e consolidar esta estranha motivação. Este ano é a mini, para o ano há-de ser a meia, maderfoquers.

Mas bom, o meu entusiasmo desmedido tem sido assolado por dúvidas que não têm que ver com a participação na corrida em si, mas sim na escolha do percurso. Isto porque Bruxelas teve a brilhante ideia de acrescentar uma prova adicional a estas três provas normais. É exatamente igual à Mini-Maratona, tem exatamente o mesmo percurso, parte 15 minutos depois mas é só para mulheres. Chama-se Ladies' Run.

Ao início demorei a entender a distinção, achei que, ah, então a Mini-Maratona é para os homens e a Ladies' Run é para as mulheres. Mas depois fui consultar a tabela dos resultados do ano passado e na Mini-Maratona tem lá homens e mulheres, embora estas últimas sejam muito poucas. 

Sendo que as pessoas são classificadas dentro do seu escalão etário e de sexo, não percebo a necessidade de existir uma "Ladies' Run". Não existe uma Ladies' Marathon nem uma Ladies' Half-Marathon; vai tudo junto e classifica-se por escalão. Para quê uma Ladies' Run dos 4 km? 

Entendo que a principal razão deve ter sido a motivação; no geral, os homens são mais rápidos do que as mulheres e portanto ver montes de pessoas a passar-nos à frente não deve ser muito fixe. Mesmo que depois as classificações sejam feitas por escalão. Mas no geral  também, pessoas mais jovens são mais rápidas que pessoas mais velhas. Porque não dividir as corridas entre <40 e="">41 ou qualquer coisa do género? A questão da motivação seria igual. 

Quanto mais penso sobre isto mais a Ladies' Run me parece uma coisa sobejamente condescendente. A começar logo pelo nome. A corrida a sério chama-se Mini-Maratona, porque é a corrida normal, não se chama Gentlemen's Run, é só Mini-Maratona porque, lá está, é a normal. Mas depois há a corrida para as meninas, feita só para elas para não desmotivarem face à grande velocidade e resistência dos seus colegas machos. Bom exemplo de experiência masculina como padrão humano universal e experiência feminina como altamente especializada. Tão especializada que foi criada uma corrida específica onde botar essa experiência altamente especializada. O meu problema com esta especialização é que desencoraja fazer-se coisas todos juntos, desencoraja a presença de mulheres na Mini-Maratona, mesmo mulheres que, se não existisse a Ladies' Run, não teriam problema em competir com homens. Assim, já pensam duas vezes (como eu), como atesta a quase inexistência de mulheres na Mini-Maratona. É um bocado como os ginásios só para mulheres. Eu entendo que seja um espaço onde muitas mulheres se sentem mais à vontade porque não levam com olhares frequentes de cio, mas não concordo com a sua existência. Um ginásio não deve ser encarado como um espaço de homens, é um espaço onde pessoas se vão exercitar. Quanto mais mulheres os frequentarem mais normal se torna, menos olhares de cio serão mandados a médio-longo prazo, mais os ginásios para mulheres se tornarão dispensáveis. Mas enquanto estes existirem, vai sempre parecer que é ali que elas devem estar, não nos ginásios normais. O mesmo com esta corrida especial.  

Mas depois, do baixo do meu mezinho e picos de preparação de corrida, olho para as classificações e respetivos  tempos gerais do ano passado de ambas as corridas e vejo que na Mini-Maratona nem nos 200 primeiros lugares ficaria (se conseguir o meu tempo ideal) e na Ladies' Run posso sonhar com um lugar nos 50 primeiros. Ceder à condescendência e ficar orgulhosa ou cerrar os dentes e correr como "pessoa" em vez de "mulher"?    

Decisões, só decisões.


* Eu neste momento sou uma pessoa que acorda às 2as, 4as e 6as feliz porque é dia de ir correr para o ginásio. Feliz. Eu era uma pessoa que temia bolas, esforço físico e a quem a nota de Educação Física sempre estragou a média. (Nisto sempre fui muito estereotipicamente gaja.) É razão para estar parva.



S.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O mundo de pernas para o ar

Dois dias depois de a Ryanair anunciar que ia começar a operar no aeroporto de Lisboa e no dia em que os bilhetes começaram a ser vendidos, eu reservei uma viagem Bruxelas-Lisboa. Mas pela TAP. Porque ficava mais barato. Vou repetir porque ainda não acredito: uma ida e volta Bruxelas-Lisboa, para as mesmas datas, ficou mais barato pela TAP do que pela Ryanair.

Obrigada Ryanair, por trazeres a prendinha da concorrência.

E não te cuides não, oh low cost, eu só te idolatro se tiveres mesmo preços ridicularmente baixos. Se não for isso, prefiro qualquer outra a ti, como é óbvio. Só aceito ser maltratada se o preço valer a pena. 

... E com esta frase estranha me despeço. 




S.

sábado, 14 de setembro de 2013

Amoramoramoramor

Ao fim de oito anos de namoro, descobres que é mesmo, mesmo, mesmo, mesmo amor quando dás por ti a parar o estudo da tua (amada) IG para ir espreitar regularmente o resultado do (odiado) Benfica vs P. Ferreira e informar o parceiro regularmente por sms. 

Há um dito que é:



Eu acabei de inventar outro: "Se uma feminista parar a leitura de um artigo muito interessante sobre representação dos direitos das mulheres para te enviar uma sms com o resultado de um jogo de futebol de um clube rival, casa com ela!"



S.

A Simone e as bicicletas

Há um ano, quando comecei a ir para o trabalho de bicicleta, foi todo um novo mundo que se me abriu. Estou a ser um bocadinho dramática, mudei só a minha perspetiva do commuting diário. Mas houve uma coisa inesperada que também tive que mudar: a minha roupa.

A primeira preocupação que tive - até porque a necessidade não demorou a manifestar-se e, vivendo onde vivo, soube logo que seria uma constante - foi descobrir a melhor maneira de contornar a chuva. Descobri aqueles ponchos muito largos e impermeáveis, analisei atenta mas disfarçadamente os companheiros ciclistas (especialmente nos semáforos vermelhos, ocasião preferida para olhar de soslaio o tipo de equipamento que o pessoal do ciclismo urbano utiliza) e cheguei à conclusão que não havia melhor que aquilo. Encomendei, usei, descobri que os pulsos e mãos ficavam molhados que era uma desgraça, e estava sempre um bocado com medo que um carro passasse mais rente a mim e prendesse sem querer o espelho do pendura ao meu poncho esvoaçante e lá fosse a S. de cabeça ao chão. Mas bom, era o que havia e fazia o seu trabalho razoavelmente bem. Até que num dia de chuva em que só tínhamos um chapéu, eu vesti aquilo quando fomos ao mercado de Natal e reparei (ele também não tentou disfarçar) que o D. estava um bocadinho, er... desconfortável. E aqui desconfortável é eufemismo para com vergonha de estar ao pé da minha pessoa. Os meus protestos de "Estás a exagerar um bocadinho, não? Esta capa não é assim tão esquisita..." foram abafados pela foto que ele tirou onde eu não pareço um dementor - como pensei e o que seria estranho mas respeitoso - mas sim um duende azul zangado num dia de chuva. A capa é mesmo muito grande para mim. De maneiras que agora ando à procura de um blusão impermeável ou assim, como as pessoas normais usam. 

Mas isto tudo para introduzir um problema que eu nunca tinha pensado seriamente até ali - nem sabia que era verdadeiramente um problema - até começar a andar de bicicleta no dia a dia: a roupa feminina. De repente, quase todas as minhas saias deixaram de servir, vestidos idem, e a algumas calças tive que dizer bye-bye. Entendam: o meu guarda-roupa não era nem especialmente fashion, porque nunca tive muita paciência, nem particularmente feminino-formalesco. Mas de repente cheguei à conclusão que, para além dos sapatos altos que são a cruz mas a alegria de tanta mulher, a roupa de mulher é extremamente restritiva a qualquer atividade física que esteja acima do caminhar curtas distâncias. Comecei a observar à socapa mas mais atentamente as outras ciclistas e de facto, se entre os homens via muita vezes fatos completos de trabalho, nas mulheres muito raramente descobria alguma saia travada, que faz parte de muito uniforme de trabalho de escritório.

Comecei a ter que ter cuidado especial na procura de roupa que me deixasse as pernas livres para pedalar e no comprimento das saias que me piscavam o olho nas lojas de roupa (elas têm uma mania irritante de subir perigosamente cada vez que se dá ao pedal. E irrita-me solenemente estar preocupada em a ir puxando quando tenho mais com me preocupar quando ando de bicicleta, como, sei lá, não ser abalroada por um carro). Concluindo: uma mulher, para fazer o seu commuting de bicicleta, ou abandona as saias e as calças justas no trabalho, ou passa a levar muda de roupa para trocar assim que chega. 

Já a Simone Beauvoir dizia, falando de roupas de uns e de outros:

"Uma mulher que não pretenda chocar, que não tencione desvalorizar-se socialmente, deve seguir a sua condição de mulher. (...) Mas se o conformismo é para o homem bastante natural - os costumes regeram-se pelas suas necessidades de indivíduo autónomo e ativo - é necessário que a mulher, que também é sujeito, atividade, se mova num mundo que a votou à passividade. É uma servidão tão mais pesada quanto as mulheres confinadas à esfera feminina lhe aumentaram a importância: a toilette, as lides domésticas, a mulher fez delas artes difíceis. O homem tem pouco com que se preocupar relativamente às suas roupas; são cómodas, adaptadas à sua vida ativa."

"Une femme qui ne désire pas choquer, qui n'entend pas socialement se dévaluer doit suivre en femme sa condition de femme (...) Mais tandis que le conformisme et pour l'homme tout naturel - la coutume s'étant réglée sur ses besoins d'individu autonome et actif - il faudra que la femme qui est elle aussi sujet, activité, se coule dans un monde qui l'a vouée à la passivité. C'est une servitude d'autant plus lourde que les femmes confinées dans la sphére féminine en ont hypertrophié l'importance: de la toilette, du ménage, elles ont fait des arts difficiles. L'homme n'a guère à se soucier de ses vêtements; ils sont commodes, adaptés à sa vie active."

E os meus cismas sobre indumentárias próprias para um dia-a-dia que inclui profissão e pedalanço passam a fazer sentido. A roupa de mulher, especialmente aquela roupa que vem à cabeça quando se pensa em mulheres que trabalham em escritórios, simplesmente não está pensada para a mobilidade, está pensada para a passividade e o objeto. É por isso que quando estas mulherzinhas do séc. XXI se metem com a mania de inventar novos meios de transporte que envolvem mais do que colocar um pé à frente do outro, alguma coisa tem que ceder. No meu caso, não há dúvida: entre o meu lado mais girly ou a facilidade e felicidade que é pedalar até ao trabalho, cai o primeiro. Mas com uma pontinha de pena.



Aparentemente, já houve quem pensasse nisto de forma mais prática do que eu.



S. 


 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Patriarcado para dummies


"American storytelling is still driven by the assumption that is at the heart of the Western canon: The male experience is the universal human experience, whereas the female experience is specialized, driven by biological factors, the absence of which prevents men from being able to see themselves in female characters."


O que é afinal a igualdade?

Este é um debate fundamental dentro do feminismo e contra o feminismo, e uma palavra que me levou muito tempo a entender. Digo com franqueza e honestidade que ainda não entendo toda a complexidade do seu significado mas há algumas ideias que me parecem já mais ou menos claras. Mas se a emprego constantemente em expressões como "igualdade de género", é bom que tenha alguma ideia do que estou a falar.

Na academia feminista há duas grandes correntes que defendem dois tipos de igualdade diferentes (passo o paradoxo) e que são, de forma simplista:

1. igualdade como "igualdade estrita"

2. igualdade como "sameness"

São uma espécie de rivais e feministas ainda se degladiam entre si sobre qual é a mais desejável e à qual deve o feminismo realmente aspirar. É também uma espécie de luta geracional entre feministas de diferentes vagas, que defendem que a sua luta é melhor e diferente da luta anterior.

1.

A igualdade como "igualdade estrita" é a igualdade mais básica. Foi para ela que lutaram as sufragistas, as feministas da primeira vaga (meados séc XIX - inícios séc XX), e é graças a ela que a mulher na nossa sociedade pode votar, divorciar, não é propriedade do marido, não tem que pedir autorização para viajar para o estrangeiro, pode abrir uma conta bancária, pode abrir um negócio, tem personalidade jurídica, ganha o mesmo que o homem (na teoria), tem as mesmas oportunidades que o homem (na teoria), pode frequentar universidades, etc. Esta é a igualdade de estatuto perante a lei que as mulheres já adquiriram e que portanto leva muita gente a afirmar que a igualdade de géneros está conseguida e a desdenhar do feminismo como consequência.

No fundo, é elevar as mulheres até ao estatuto que os homens gozam perante a lei, é tomar o padrão do que já existe - que é o padrão masculino - e lutar para que as mulheres tenham por direito exatamente tudo igual aos homens. Virtualmente, a ideia é abolir mesmo a questão de género, viver um dia num mundo em que nascer do sexo masculino ou do sexo feminino não implique absolutamente nada de diferente para a vida dessa pessoa. 

Esta igualdade estrita é o que leva tanta gente a interpretar mal o feminismo e a ultrajar-se quando se fala em igualdade entre homens e mulheres. Para estas pessoas, homens e mulheres são biologicamente diferentes, têm papéis sociais diferentes e acham que ainda bem, porque assim o mundo é variado e colorido e interessante. Temem um mundo em que homens e mulheres vistam de forma igual, tenham o mesmo comportamento, os mesmo hábitos e hobbies, gostem todos das mesmas coisas, tenham todos a mesma sensibilidade (ou ausência dela). No fundo, temem um mundo em que as mulheres se transformem em homens. 

Apesar de eu achar que estes receios são infundados, já que as pessoas são todas diferentes entre si, não se vestem todas da mesma maneira, não têm todas o mesmo comportamento, não têm os mesmos hábitos nem hobbies, e não gostam das mesmas coisas nem têm todas o mesmo tipo de sensibilidade, sejam homens ou mulheres, e que o género não devia ter a importância que tem atualmente nem ter uma linha tão marcadamente divisora como ainda tem, comecei a desconfiar que havia alguns buraquinhos nesta teoria. Mas antes de eu o ter sequer sonhado, já há muitas décadas atrás várias feministas o tinham descoberto, analisado, criticado, e teorizado.

2.

Na conferência a que assisti há uns meses sobre o desemprego jovem, houve a apresentação de um estudo interessantíssimo sobre a diferença de níveis de competitividade entre rapazes e raparigas em várias idades de que falei extensivamente aqui. Basicamente, revelava que desde os 5 anos que havia um défice de competitividade nas raparigas, que não era explicado pela sua competência, e mesmo em áreas em que elas até eram melhores do que os rapazes. Resumidamente, parecia haver um caso de overconfidence nos rapazes e underconfidence nas raparigas que não se sabia se era genético ou incutido através de diferentes educações dadas a cada um dos géneros. Na altura, no período das perguntas&respostas, houve uma pergunta que me ficou presa à cabeça e me deixou a matutar (até hoje). Uma eurodeputada húngara levantou-se e perguntou simplesmente: "Mas qual é o mal?" As raparigas são menos competitivas do que os rapazes, mas qual é o problema disso? É assim tão desejável que elas tenham os níveis de competitividade selvagem que pautuam a sociedade atual e que leva a tanta injustiça, stress e rivalidade perniciosa? Porque é que em vez de se lamentar a falta de competitividade das raparigas, não se preza as características de cooperação, diálogo e entre-ajuda que são muitas vezes uma conotação feminina e atribuídas às mulheres em geral? Porquê não lamentar a falta destas características nos homens?

Bom, o apresentador deu uma resposta neutra, qualquer coisa do género que não estava ali a aplaudir ou a criticar a competitividade, o estudo pretendia apenas medir a sua diferença entre rapazes e raparigas desde tenra idade. E que, por pior que fosse a competitividade selvagem e por mais desejável que fosse a cooperação, a verdade é que da forma como o mercado de trabalho está montado, a ausência de competitividade numa pessoa irá prejudicá-la, seja por que a leva a não candidatar a uma vaga de emprego, seja por não exigir uma promoção, seja por não ter a ousadia necessária para criar o seu próprio projeto. Basicamente, competitividade é a essência do capitalismo.

Mas é precisamente aqui que muitas feministas se insurgem. O mundo, tal como está montado, rege-se pelas regras e leis que os homens fizeram e decidiram à sua imagem. A mulher, que entrou nele há relativamente pouco tempo e certamente há menos de um século, que ainda só mais recentemente passou a ser parte ativa na sua construção, teve que conquistar a igualdade segundo as regras já em vigor e segundo o modelo existente, que era - como só podia ser - o modelo masculino. Mas é precisamente por isto que muitas vezes a sua luta e a sua tentativa de conquista falha. Falha porque existem coisas que não estavam previstas, porque não era preciso serem tomadas em conta, no modelo do mundo construído. É por isso que não se sabe ainda bem o que fazer com o aborto, não se sabe bem o que fazer com a licença de maternidade, não se sabe bem o que fazer com o assédio sexual, com os piropos, com o crime da violação, e, durante muito tempo, não se soube bem o que fazer com a violência doméstica. Experiências características do sexo feminino e que foram trazidas para o fórum público a partir do momento em que estas passaram a ser parte ativa do fórum público.

Da frase lá de cima:  "The male experience is the universal human experience, whereas the female experience is specialized, driven by biological factors (...)". 

A experiência masculina é o padrão pelo qual regemos a sociedade, as ideias, o mundo do trabalho, até a linguagem! O Homem, enquanto humanidade, o ele/eles enquanto pronome standard. Imaginem uma multidão de mil mulheres ("elas") e na qual aparece um homem: passam automaticamente a ser "eles". Porquê, se a vasta grande maioria é composta por elas? Pequeno exemplo mas que ilustra muito bem isto do masculino enquanto padrão universal da humanidade. Quando se fala de patriarcado, é disto que se está a falar. O homem como o padrão de "pessoa", "ser humano", e a mulher como, bom, uma "mulher", um ser humano demasiado especializado devido à sua biologia e impossível de ser compreendido pelo "homem" e mais impossível ainda, da sua experiência ser elevada à categoria de padrão.

Isto levar-nos-ia à questão da representação das mulheres nos media, que é generalizadamente tão estereotipada pela sua biologia (ou é como mãe, ou é como objeto sexual, ou é como virgem, tudo muito unidimensional). Mas como não quero ir por aí hoje, fica só aqui isto: 


You go, George. R. R. Martin, you badass story-teller!

É precisamente pela questão do homem como universal, mulher como exceção que muitas feministas reivindicam um outro tipo de igualdade. Uma igualdade que não é "igualdade estrita" mas que é antes "sameness". E eu sei que se formos ao dicionário elas aparecem como sinóminos, mas há uma diferença entre as duas que é crucial. "Sameness" é a minha experiência gozar do mesmo estatuto que a experiência do outro. Entre géneros, isto seria fazer com que a experiência feminina fosse tão válida, tão igual e tão considerada quanto a experiência masculina. A experiência feminina deixar de ser especializada, deixar de ser uma espécie de exceção à regra que é a masculina, e gozar da mesma importância e validade que esta.

Concretamente, um exemplo: a expressão "isso é coisa de gaja!", expelida sempre com o mesmo ar de desdém, deixar de acontecer. Duas coisas estereotipicamente de gajo e de gaja: os mummy blogs e os blogs sobre futebol. Gostos à parte, uns são muitas vezes encarados como coisa de mulheres que não têm mais nada que fazer e portanto nada sérios e motivo de alguma condescendência (mesmo o próprio termo "mummy blogs" transparece esta condescendência), os outros são neutros. Uma coisa ser "de gajo" não é motivo de escárnio nem desdém, é só "de gajo", é neutro.

A Germaine Greer é muitas vezes classificada como uma destas feministas que defendem o "sameness" por oposição à "igualdade com os homens". No seu livro The Female Eunuch ela diz que é ridículo e contra-produtivo a luta pela igualdade de género porque querer que as mulheres sejam iguais aos homens é querer que ela emulem um modelo estragado à partida. E com isto ela não queria dizer que os homens são estragados, queria dizer que a forma como a sociedade foi montada - por homens - tem graves defeitos e que uma mulher tentar vencer nela é obrigada a adotar os vícios e defeitos que a sociedade à partida tem. Acho que isto explica muito sobre as mulheres em altos cargos políticos e porque é que há poucas, e as que há são quase, tão ou piores, que os homens políticos: tiveram que adotar os mesmos comportamentos podres, competitivos e defeituosos para conseguirem vingar nesse boys' club, os mesmos comportamentos que os outros políticos homens adotam e que os fazem ser incompetentes e detestá-los. Ou seja, o problema não seria abrir caminho a que mais mulheres chegassem ao topo (porque depois as que lá chegariam seria as que nunca iriam mudar nada) mas sim transformar o caminho de tal forma que depois as pessoas certas (homens e mulheres) lá chegassem. 

Há mesmo muitas coisas que ainda me intrigam nesta diferença entre "igualdade estrita" e "sameness" e tantas vezes acaba mesmo por me parecer um paradoxo. É um debate que começa a resvalar para a semântica, para a filosofia e para o abstrato, mas é um debate extremamente importante no feminismo e nos estudos de género. Para mim, a igualdade de género é a luta para que não se precise de definir as coisas a partir do género. Ou seja, que uma pessoa possa ser o que quer ser sem o facto de os papéis de "homem" e "mulher" a restringirem nas suas escolhas. (Viram como evitei cobardolamente a questão das igualdades? :P)

Espero que agora este chavão aparentemente tão inócuo e óbvio já faça mais sentido:






S.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Levas com explicação de alemão em alemão que é para ver se aprendes

E naquele tempo em que eu pensava que ia ter aulas de alemão numa língua que compreendesse?




Às vezes chego a ser querida por ser tão ingénua.



S.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

É muito isto

"But justifying having children as “you’ll feel different when it’s your own” or The Worst “you’ll never know what true love is until you have a child” makes me want to stab someone. You can’t devalue someone for not having given birth. No one remembers Sylvia Plath for her kids (she fucking messed them up with her repeated attempts to gas herself) they remember her for her poetry and writing. Having children or not having children should not ultimately define you as a person. It changes you, but it is not finally you."

Especialmente as duas últimas frases.

Daqui.




S.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A torre de Babel a desmoronar-se

Já sou oficialmente uma aluna de alemão. 

Mas antes de o ser estava sentada numa carteira de sala de aula, com mais 20 outros pré-alunos de línguas, à espera que nos viessem entregar os testes de aferição das respetivas línguas para nos meterem nas turmas corretas. Olho de soslaio para o papel de inscrição da pessoa ao meu lado. Descortino as palavras "test: portugais" escrevinhadas à pressa no topo da folha. O meu estômago dá uma cambalhota. Já sabia que naquela escola também havia um curso de português, tinha até visto que o primeiro nível já estava completo, mas estas coisas só vendo para crer. Começo a sentir-me a recetora de olhares de soslaio também, lançados a mim e à minha folha com o seu "test: DE". Até que a senhora se me dirige em alemão. Um bocadinho de pânico misturado com um bocadinho de alegria, polvilhado de frustração por ver que dos nove meses de aulas há três anos só me resta a capacidade de compreender a palavra "deutsche" no meio de uma frase que deve ter sido muito simples. Dirijo-me a ela em francês. Dá-se um clique e eu percebo que numa sala de vinte e poucos alunos, ela, alemã, que estava ali para testar o seu português, se sentou ao lado da única portuguesa que estava ali para testar o seu alemão. Coincidência maravilhosa. Não sei qual das duas ficou com o coração mais quente por a outra desconhecida ter o interesse suficiente em se dedicar à sua língua materna, que não é especialmente popular nem tem os glamours de um italiano ou espanhol, ou as exoticidades de um árabe ou mandarim. Começou a falar-me num português enferrujado mas assustadoramente correto, e eu perguntei quanto tempo tinha ela vivido em Portugal, para justificar tal competência. Nunca tinha ido a Portugal (sequer! Como é possível falar tão bem...) mas gostava mesmo muito de lá ir um dia. Tudo isto em português, a minha língua materna. Fiquei triste de não lhe poder retribuir a mesma gentileza. No fim do teste, recebi um "Gut Glück!" e sussurrei um "Boa sorte!" de volta. 

Parece-me um ótimo prenúncio. 




S. 

P.S. O que também me parece um ótimo prenúncio é a quantidade de faíscas que a parte linguística do meu cérebro fez naqueles dois ou três minutos. Ouvi alemão, respondi francês, devolveram-me português, continuei num português self-conscious porque queria muito que ela me continuasse a entender, depois acho que mudei a meio para francês novamente, mas inglês era o que me estava a soar melhor mentalmente já que é território neutro, espécie de acordo subentendido sempre que duas pessoas que não partilham a língua materna nem a língua de acolhimento devem falar. Mas depois lembrei-me que não era preciso porque ela falava português, e depois fiquei triste por não poder falar-lhe em alemão. Prenúncio das mindfucks que me esperam nas aulas de alemão em francês, foi o que isto foi.




domingo, 1 de setembro de 2013

"It's like a freaking fairy tale!"

*suspiro gigante*

Já estou um bocado farta de escrever estes posts, verdade seja dita. 

Toda a santa cidade que visito me deslumbra os sentidos. Começo a desconfiar que sou uma alma facilmente deslumbrada. Porque ou é isso ou tenho uma pontaria incrível para escolher passeios. Há uma terceira hipótese, que é a Europa ser um continente estupidamente belo e as suas cidades serem capazes de coisas que eu não pensei que eram possíveis, nomeadamente no batimento de records de perfeição. 

Há pouco mais de um ano escrevia eu aqui extasiada com a beleza de Amsterdão. Olhando para trás, sóbria, consigo perceber que a cidade merece toda a ode que lhe foi feita na altura, mas eu claramente nunca tinha sido introduzida à cultura do centro da Europa, o seu núcleo geográfico e cultural. Por isso, ver aquelas casas seculares, em fila, muito bem preservadas, aquela água no meio das ruas, tudo tão limpo e organizado, tanta bicicleta, etc, foi o choque mental e sensorial que se compreende. Mas depois fiquei parva com Bayeux, fiquei parva com Estrasburgo, fiquei parva com Edimburgo (se bem que esta última, num tom completamente diferente das anteriores), e começo a pensar que ou eu tenho é a capacidade ingénua de me fascinar facilmente com as coisas, como as crianças, ou ainda tenho é muito mundo para ver. Começa é a meter raiva porque o meu standard de medida é agora Bruxelas e esta beleza toda alheia deixa-me cada vez mais frustrada: tanta cidade lindíssima por aí e tinha que me calhar esta?!

Bom, há que ser honesta: Bruges é holandesa, sem tirar nem pôr. Convenço-me cada vez mais que a Flandres pertencer à Bélgica é um daqueles acidentes históricos estúpidos e francamente artificiais, do mais forçado que há. A zona flamenga tem um caráter tão de País Baixo que mete dó ver a bandeira vermelha, amarela e preta hasteada ao lado da amarela com o leão preto. Começa na língua, que ainda não estou certa que tenha estatuto de língua per se, mas é sim um dialeto holandês (demasiado preguiçosa para ir agora googlar), passando pela planez daquelas terras, pelos moinhos tipicamente holandeses que também se descortinam aqui e ali, pelas inúmeras bicicletas em todo o lado e pelos numerosos canais, acabando na proximidade geográfica à Holanda. Por isso, Bruges, não me podia surpreender inteiramente visto já conhecer Amsterdão.


Aqui há uns tempos, comecei a ler Game of Thrones. Pus o livro de lado passado umas cem páginas porque a mistura entre inglês americano, nomes que pareciam fruto de uma brincadeira envolvendo bêbados e sopa de letras, e a ausência de balizas históricas, me fez enjoar rapidamente a história. Depois veio a série e toda a gente cujo gosto televisivo confio adorava aquilo, dizia que era um espetáculo, etc, e eu estive cerca de seis meses entre ter o primeiro episódio e me dignar a ver. Parti para a visualização do dito cujo determinada a dar uma oportunidade mas com o nariz no ar e braços cruzados, propositadamente crítica e indisposta a deixar-me seduzir facilmente. Ao quinto episódio ou coisa que o valha rendi-me completamente e admiti sem reservas que foi a melhor história que já vi contada. 

Bruges foi exatamente assim. Cautelosa para não me apaixonar, apesar de saber ao que ia, e determinada a ser crítica com a cidade ex-líbris turístico. "Hah, estas ruas de calçada são tipo Bayeux", "hah, estes canais são lindíssimos mas Amsterdão também tem", "hah, pracetas bonitas com casas altas de vasinhos nas varandas, isso também Estrasburgo tem." Mas foi a porcaria da visita de barco pelos canais que me calou. As pontes em arco, as bicicletas, as margens prazenteiras, tudo isso Amsterdão tem, de facto. Mas Bruges tem canais com recantos, as paredes das casas mergulham na água, as pessoas abrem a janela e quase que molham os pés, não há passeios a separar. E a quantidade de choupos que aquela cidade tem, senhores!... E heras e flores bonitas a tombar pelas paredes. E as ruas calcetadas misturado com as casas medievais, Bayeux também tem, é certo, mas é só umas quatro os cinco ruas mesmo no centro. Em Bruges, TODA a santa cidade é assim. Uma vez passámos numa rua alcatroada e eu notei a diferença porque aquilo destoava... Portanto, o impossível aconteceu e eu achei uma cidade mais bela do que Amsterdão.


É muito mais pequena, há que ser justa, e não tem um quarto da vivacidade e dinâmica de Amsterdão. Mas por isso mesmo tem uma aura de cidade de conto-de-fadas que eu nunca vi em lado nenhum.  

Eu não queria viver ali. É uma cidade calma demais e a perfeição enjoa. Fica para lavar a vista em passeios.

Por falar em passeios, escolhemos mesmo o primeiro dia do meu último ano como "jovem" segundo os transportes belgas, para comprarmos o Go Pass. É um passe de dez viagens, para ser usado entre quaisquer estações belgas, por quantas pessoas quiserem, e onde somos nós que escrevemos a data e o percurso feito. É um desconto extremamente catita que eles dão aos jovens para aproveitarem a sua juventude a viajar por esse país e Europa fora (o Eurostar e os comboios no UK também têm estes descontos para menores de 26). Não percebo bem o critério do número "26" (porque não 25? ou 21?) mas pretendo aproveitar ao máximo o meu último ano de descontos no que aos comboios diz respeito.

Por falar em último ano de descontos, ao contrário de anos anteriores, que ou não me disseram muito ou tive até mini-pânicos nas horas anteriores, estou a gostar muito de ter 25 anos. É uma idade muito a meio-caminho, mas por isso dá-me sensação de equilíbrio, gosto de estar a meio-caminho. Não me vou meter a fazer balanços - as únicas medidas que tenho são para projetar - mas estou satisfeita com a minha vida por isso os 25 não me trouxeram crises de identidade. Correção: não é satisfeita, contente com o rumo, tenho tanta, mas tanta coisa para concretizar que não podia nunca estar satisfeita. 

30, bring it on.



S.